Antes de mais convém deixar clara a minha posição sobre o conflito. A Rússia sobre a liderança de Putin sempre teve na sua agenda a reposição da área de influência que existia na antiga URSS e nunca aceitou que esses países se pudessem aproximar do Ocidente. Esta hostilidade ficou patente na invasão da Geórgia em 2008. Mais clara foi a intenção de controlo da Ucrânia, com influência direta nas sucessivas eleições, que atingiram extremos como por exemplo o envenenamento do candidato Viktor Yushchenko em 2004 no periodo da Revolução Laranja. Na realidade o conflito ucraniano não começou no ano passado, tem ocorrido esta tensão constante entre uma maioria que pretendia a aproximação ao Ocidente e de uma minoria apoiada pela Rússia que queria que a Ucrânia permanecesse na esfera política russa.
Em 2014 e no seguimento da Revolução de Maidan a Rússia decide pegar em armas. Ocupa a Crimeia e apoia uma secessão na região do Donbass com fornecimento de armas e “voluntários”. Os ucranianos claramente inferiores em termos militares são forçados a assinar os acordos de Minsk em termos favoráveis para a Russia. Daí em diante o conflito continuou de forma mais latente com a Ucrânia a sentir necessidade de reforço militar, sabendo que a continua política da Russia de ingerência na Ucrânia não iria acabar e que pelo contrário a confrontação só iria aumentar.
Como tal esta invasão de 2022 é apenas uma escalada absurda da doutrina de Putin de que a Ucrânia tem de estar sob controlo político de Moscovo e que a crescente aproximação ao Ocidente tem de ser combatida. Estando esgotada todas as outras opções, Putin escolheu a derradeira: uma invasão em larga escala. Esta invasão é algo sem precedentes na nova ordem mundial pós 2ª Guerra Mundial, uma invasão ao país vizinho com a intenção de anexação de território, depois de 20 anos de ingerência continua. É uma violação inaceitável de direito internacional e que todos deveriam condenar.
1ª Fase da Guerra (Fev-Mar/2022)– Batalha de Kiev
Vendo retrospetivamente parece que Zelensky não quis acreditar que a Russia efetuasse uma invasão em larga escala e continuou com o grosso das tropas ucranianas na região do Donbass. Os EUA previram corretamente a invasão, mas abdicaram do direito de dissuasão, afastando qualquer retaliação que pudesse por os dois países em conflito aberto, algo que tem marcado a atuação americana neste conflito. Muitos pensavam que o ataque seria concentrado no Donbass mas acabou por ter múltiplas frentes: Kiev, Kharkiv, Kherson. Tudo podia ter acabado depressa se Zelensky tivesse abandonado o país, mas a decisão de permanecer em Kiev e de resistir todo o custo salvou de imediato a independência ucraniana. Toda a operação de Kiev foi um desastre para os russos. O terreno favorecia a defesa e as condições impediam o uso em boas condições de tanques fora das estradas, tornando alvos fáceis para emboscadas com javelins e para os drones turcos Bayraktar que o exército ucraniano ainda tinha em alguma quantidade.
2ª Fase da Guerra – (Abr-Jul/2022) - Ofensiva russa no Donbass. Batalha de Severodonetsk
O comando militar russo reconheceu a insustentabilidade da ofensiva em Kiev e retirou-se completamente desta frente com a intenção de concentrar-se no Donbass. Os ucranianos descobrem os horrores cometidos nesta 1ª fase da invasão como por exemplo em Bucha.
A força invasora russa nesta fase inicial da guerra provavelmente nunca chegou aos 200 mil soldados reforçadas com soldados dos territórios separatistas, mercenário das Wagner e as tropas chechenas Kadyrovites. O exercito ucraniano era claramente inferior ao russo em viaturas blindadas, artilharia, aviação. No entanto apesar destas dificuldades conseguiram estabilizar as frentes de combate, embora importantes cidades tenham sido perdidas como Kherson ou Mariupol. É verdade que o apoio militar ocidental começou a aumentar, mas longe do solicitado pela Ucrânia. Os russos começaram lentamente a avançar no Donbass e usando uma concentração elevada de artilharia conseguiam neutralizar progressivamente as defesas ucranianas avançando de forma lenta, mas constante no terreno. Aqui ocorreu o 1º erro estratégico do Ocidente. Não forneceu a artilharia de longo alcance como por exemplo os sistemas Himars que impediriam de forma mais eficaz esta concentração. A campanha pela defesa da cidade de Severodonetsk em Maio e Junho foi extremamente custosa em termos de vidas para os ucranianos que perdiam 150-200 soldados por dia e apesar dos esforços heroico a cidade foi conquistada pelos russos e para evitar o cerco foi abandonada sem combate a cidade vizinha de Lysychansk. Com esta conquista os russos conseguiram conquistar completamente a província de Luhansk, uma das regiões separatistas. Esta ofensiva também causou um nº desproporcionado de baixas aos militares russos, muitas delas profissionais e perda de equipamento. Putin foi convencido a fazer uma pausa operacional, sendo impossível novas ofensivas de grande escala no futuro próximo
3ª Fase da Guerra (Ago-Nov) – Contra-Ofensivas Ucranianas. Batalhas de Kherson, Kupiansk, Izium, Lyman
Depois de muita insistência os EUA forneceram sistemas Himars aos ucranianos podendo agora atingir alvos até 75 km. O exército russo estava exausto e provavelmente nesta altura já era numericamente inferior ao ucraniano e subestimaram completamente a ameaça dos Himars. Sistematicamente e impiedosamente os ucranianos começaram a atingir os depósitos de munições, centros logísticos e de comando até 75km a partir a 2ª quinzena de Julho, dificultando a logística. Na última semana de agosto a Ucrânia iniciou uma contraofensiva em Kherson inicialmente com poucos ganhos, mas completou com uma 2ª ofensiva na 1ª quinzena de setembro na região de Kharkiv que em poucos dias libertou a estratégia cidade de Kupiansk e Izium e mais tarde na 2ª quinzena libertaram Lyman.
Foi um período em que o exército russo na Ucrânia estava em pré-colapso. Caso os ucranianos tivessem mais armas ofensivas como por exemplo tanques ocidentais poderiam ter talvez dado um golpe fatal. Putin começa a pensar seriamente usar armas nucleares táticas para evitar a derrota. Procura lançar esta ameaça para ver como os EUA reagiriam, mas a resposta americana por canais oficiais foi clara que tal implicaria uma retaliação direta das forças americanas de consequências catastróficas para o exército russo. Putin sem escolha decide a mobilização geral procurando reunir rapidamente 300 mil novos soldados. Os combates em Kherson tornam-se cada vez mais difíceis e logisticamente cada mais vez impossíveis sendo convencido a dar ordem de retirada da cidade a 10 de novembro. Em retaliação começa também a lançar vagas de misseis contra cidades ucranianas e infraestruturas de energia por forma a castigar os civis querendo forçar um Inverno sem aquecimento.
4ª Fase da Guerra – (Desde Dez/2022) - Mobilização Geral Russa produz efeitos. Batalha de Bakhmut
A Rússia com a mobilização geral, decide enviar sem grande treino uma parte destes soldados diretamente para a Ucrânia. No seguimento da ofensiva na região de Kharkiv e a conquista recente de Lyman, os ucranianos ameaçavam reconquistar toda a região de Luhansk e novamente as cidades de Severodonetsk e Lysychansk o que seria politicamente insustentável para Putin. É decidido de imediato efetuar contraofensivas sem um real objetivo militar para além de parar a ofensiva ucraniana. Os comandantes russos sentem que com a mobilização geral podem novamente perder milhares de vidas dos seus soldados mesmo por ganho militares mínimos e foi eficaz em atrasar o avanço ucraniano e construir uma linha defensiva entre Svatove e Kremina na província de Luhansk
Adicionalmente sentem que podem novamente voltar a tentar conquistar Bakhmut. Aqui usam as forças mercenárias Wagner enriquecidas com prisioneiros de delito comum aos quais foi prometida a liberdade. São autenticamente carne para canhão e lentamente foram avançando em Bakhmut e a norte deste cidade conseguiram mesmo conquistar Soledar, enquanto o cerco a Bakhmut está quase a surtir resultado para os russos.
Novamente existiu um erro do Ocidente ao não responder à mobilização russa. Os ucranianos ficaram novamente em desvantagem numérica no terreno 1 para 2. Embora a desvantagem em artilharia seja menor do que no início do Verão, não conseguem agora novas ofensivas e o nº de baixas diárias aumentou. Os apelos para tanques, aviação e artilharia de mais longo alcance tornaram-se, portanto essenciais para a Ucrânia poder suster esta nova vaga de ataques inclusivamente à anunciada nova grande ofensiva vinda de Luhanks que muitos dizem que pode acontecer nas próximas 2 semanas.
Soluções para acabar a guerra
A Ucrânia está totalmente dependente dos EUA e da União Europeia para sobreviver económica e militarmente. No entanto tem existido excesso de prudência dos líderes ocidentais hesitantes em dar armamento mais sofisticado à Ucrânia. Sempre considerei esta posição um beco sem saída. O resultado é o que atualmente temos: uma enorme sangria de militares e civis ucranianos e numa escala muito maior de soldados russos sabendo-se que as chefias militares russas não têm problemas em desbaratar a vida dos seus soldados em ofensivas sem ganhos reais. Só estamos a prolongar a guerra indefinidamente e a esgotar ambos os países.
O passo necessário para os EUA e da União Europeia é definir um cenário de fim de guerra. Uma solução (não desejada) é repetir uma solução de 2014, dar parte da Ucrânia à Rússia e premiar a política expansionista russa. Mas seria sempre uma paz frágil. A Rússia simplesmente continuaria a tentar interferir na Ucrânia. E ficaria livre para ambicionar mais. A Geórgia seria um alvo fácil e provavelmente ninguém iria em seu socorro. A Moldávia, onde já existem tropas russas é também um alvo óbvio. Mesmos os estados bálticos que fazem parte da NATO ficariam também ameaçados, podendo a Rússia usar outras táticas de subversão sabendo que existe uma grande comunidade russa nestes países.
A solução certa é simplesmente definir que se quer uma vitória ucraniana num curto espaço de tempo de 12 a 18 meses, forçando a retirada russa de todo o território ucraniano incluindo a Crimeia. Para tal é necessário equipar com tanques, aviões, artilharia e misseis capazes de atingir todo o território ucraniano ocupado pelos russos. Embora a Putin faça constantemente ameaças de escalada, a verdade é que é só para testar a vontade ocidental, bastando mostrar força e determinação e a retórica baixa sempre de intensidade como aconteceu quando ameaçou com o uso de armas nucleares táticas no Outono de 2022. Os países ocidentais podem mesmo forçar a que o conflito geograficamente ocorra no Leste da Ucrânia, forçando uma zona de exclusão na fronteira entre a Bielorrússia e a Ucrânia, libertando mais tropas ucranianas para a frente de combate.
Só uma derrota russa pode assegurar a manutenção de ordem mundial surgida após a 2ª Guerra Mundial. Só uma derrota russa pode assegurar que nenhum estado possa voltar a recorrer a armas para conquistar território aos seus países vizinhos. Só uma derrota russa pode garantir que não tenhamos de aumentar significativamente os gastos militares para preparamos para mais invasões, retirando recursos para necessidades mais importantes. Só uma derrota russa pode assegurar a existência de uma União Europeia forte, empenhado num projeto europeu exigente a nível de liberdade e democracia.
Nunca nos podemos esquecer que os ucranianos fazem diariamente um sacrifício humano em vidas para conter o expansionismo russo para que não o tenhamos de fazer por nós próprios
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